terça-feira, 22 de março de 2011

Experimentações Poéticas

[parado]
;não, não havia história alguma para ser contada e é como se nunca houvesse sido contada qualquer coisa. No entano como vírgula pra sucessão das coisas fatos muitos sucederam-se entre o concreto e os sonhos mas é dito que não podemos recontá-los. Mau agouro dizem nossos pais. Mau agouro pensamos. [e se pensamos...]
Mas naquele dia dei-me em digressões hermenêuticas.
Não posso recontá-los, mas posso recriá-lo pois não há qualquer lei entre aqui e acolá que diga que nós, os de pernas verdes que moravámos em árvores que não mexem no vento possa recriar qualquer coisa. Só não se pode dizê-lo.
[sai e apaga a luz]

Trumm! Brum!
- Trumm! Brum!  Trovões se espalham e calam a coisa toda
- tem certeza que é trovão ? Parece barulho de coisa quebrando
- Mas é trovão sim.
- Tudo bem. Calei
Trovões se espalham e calam a coisa toda e sim é trovão. É nessa hora que as pessoas morrem. Foi quando Th. e Oliver saiam de casa e mesmo quando era noite era claro. Não costumam saber o que era noite porque as luzes estavam sempre acesas e também não sabiam o que era vermelho ou o que era medo. Era sempre claro, era sempre claro.
- Dizem que era japonês.
- Perguntei ? E não, não eram japoneses. Japonês era o Tal.
            Acreditavam que um tal Mr. Poe Tal era japonês porque ele havia dito a todos que era japonês.
- Venho de uma província pra lá do sol, lá nasce o primeiro sol e foi de lá também que veio o meu primeiro sangue.  
            O sangue de todos nós repetia com afinco.
[suspeito] Suspeito que tudo pode parecer falso porque como se diz no concreto, não se pode contar histórias. E ele chegando e sem saber disso, disse apenas uma vez e calou.  Apenas uma vez e calou não escreveu nem falou. Calou.
- Como pode um oriental ter nome de Tal? Poe Tal? Parece zombaria.
 Não sabiam o porquê do nome. Nenhum dos que moravam o concreto ou que passeavam pelo sonho sabiam de sua origem.

            Sei que como era o mais velho que havia no concreto era respeitado por isso.  Suspeita-se que viu o dia começar e o primeiro morto. Só isso nada confirmado.  Mas uma vez falou
- Barulho da porra. [irrita-se]
            A única coisa que disse antes de morrem suas palavras. Mas era barulho mesmo, qualque uma revoada. Muitos morreram nesta dia também. Mas o motivo de tudo era recriar o dia em que as mortes começaram.
            Foi quando houve o primeiro trovão.
            Não, não foi. Começou quando apagou a luz.
            Acabou a energia você quis dizer.
            Não, foi quando apagou a luz mesmo.  Eles não sabiam que havia lado escuro pras coisas porque estavam acesas sempre todas as luzes do concreto.
[calado. Move-se. Sério] Não havia no concreto qualquer lugar que não houvessem luz. E também não haviam mortos. Sabia-se que em certa idade as pessoas iriam embora e não seria encontradas jamais, sequer nos sonhos. Mas quando certo dia a população viu uma sombra sobre o concreto, aproximou-se assustada e viu um filete de sangue. Teria o sol apagado e derretido, era o que pensavam aterrorizados. Mas foi pior.
            - Mas foi pior.  Quando nós nos aproximamos pra ver aquilo que parecia escuro e que nós ainda nem tínhamos nome vimos algo vermelho. Parecia que o sol derretia aos poucos e deixa os restos ali. Não era só uma sombra, era uma sombra com filete de sangue.
            - Morreu gente.
            -  Haviam dois corpos e o vermelho não era do sol. Eram duas pessoas. Eram os garotos, os nossos amigos do concreto. Eram  Th e Oliver.  Foram as primeiras mortes. Em pensar que só queriam saber se o Tal era japonês. Morte por pouca bobagem.
            Desde então, como ferrugem vem de ferro velho, pensou-se no Poe Tal como principal suspeita. Os meninos viram o velho falando, pensou-se.
            - Pensou-se muitas coisas quando vimos os corpos estirados e aquilo tudo que é vermelho escorrendo pelo concreto. O concreto nunca tinha sido manchado ontem nem sujo tinha sido.
            Mau agouro, disseram os velhos. Mau agouro pensamos.
            - Foi o Poe Tal. Ele trouxe o primeiro sangue.
            Foi o Poe Tal, ele trouxera ao concreto o primeiro sangue, pensaram as pessoas.  Vamos atrás.
            - Fomos atrás dele. Precisávamos ver suas mãos. Ele não falaria, mas veríamos na mão se ele havia matado os meninos.
            Foram atrás do Tal; queriam saber da morte dos meninos. Mas não acharam. No dia seguinte não havia mais qualquer pessoa no concreto. Não havia qualquer resposta. Sobrei porque naquele dia haviam apagado uma luz qualquer e eu pude passar por aquele fresta que separava o sonho do concreto. Me cortei, correu sangue. Mas não pude voltar.

Trumm! Brum!
 - Trumm! Brum!
            - Ainda com isso?
            - Pronto, já acordei. Que mal há em repetir as coisas?  
            - Incomoda.
            - Mas não atrapalho.
            - Em todo caso acorde, vamos embora.
            - Velório?
            - Sim.
            - Sonhei com morto, como naquele dia.
            - Tem sangue na cama.
            - Imaginei que tivesse. Sempre machuca a passagem entre aqui e o concreto.
            - O quê?
            - Nada.

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