sábado, 19 de junho de 2010

gravado

Às poucas preposições que me foram dadas
juntei a oco todos os poros

em filetes litúrgicos consagrados
de sangue e pó

de memórias poucas as mãos suturadas
reconstruídas foram por secas estradas.

Ilusões fadadas a serem a marca e caminhada
levadas que eram para além de toda jornada dada

e juntas, verborrágicas da mélida cava
ao mar levou consigo a última glória irada.

A um tufão maligo, misto de mito e degredo
furor cavado em nascente de puro corpo e medo

perdeu o fluxo, secou o vermelho interno
e em último espirro deteu-se ao verso.

sábado, 12 de junho de 2010

da palavra dita

Dizer é perigoso, talvez mais perigoso do que ser. Nunca se sabe quando uma palavra dita poderá tomar o controle da vida e transformar-se numa concreta realidade.

segunda-feira, 7 de junho de 2010

aos que dizem que não vivo

Levantou tão  súbito enquanto arguiam e comentavam sobre os projetos selecionados para a pauta do dia. que ao fazê-lo foi pisoteado por olhares de estranhamento e recusa por parte de seus colegas. Seus olhos foscos e as mãos ardidas denunciavam além do vapor que lhe sobressaía: problemas, e muitos!

Ergueu-se tão alto ao levantar da cadeira e afastá-la para que seus oitenta e seis quilos pudessem sair dali que sua alma não aguentou e  foi-se além dos  um metro e oitenta e seis que possuía de geografia. Era um possível fim no meio do expediente,coisa que todo funcionário saberá bem dizer, é um absurdo. À entrada do conjunto de escritórios que ocupavam aqueles três andares já se havia há muito escrito que só se permitiria assassinatos e suicídios após o horário de expediente, e que caso essa regra fosse violada seria cortado o ponto do dia e seu valor correspondente no salário ao fim do mês. Não havia dúvida da gravidade de fugir das oito horas que era sua obrigação para matar-se ou a quem fosse. Um disparate pelo qual o chefe certamente o mataria se soubesse.  Sendo assim recou-se a viver em sociedade de negócios, projetos e reuniões, ao menos àquela reunião. O restante seria determinado por sua coragem e senso de sobrevivência, caso ele os encontrasse perdido nalguma das pastam com milhares de papéis que ele lia todo dia, mecanica e profissionalmente. Ao sinismo de dizer que não havia nada pra fazer, puxou para si as folhas de contratos e puxou a caneta do bolso:

Aos que já disseram que não tenho alma, que não tenho vida ou sentimentos, ao que já disseram, pensaram e comentaram da minha arrogância firme, da minha sutileza em ignorar se chove ou se há sol; a todos aqueles que um dia juraram pensar quem eu era pela imagem que construíram de mim em oito horas diárias, e quarenta semanais eu vos digo  que não me importo. Não me importo se esqueceram as chaves ou se o vizinho reclama das brigas (que na verdade são os vossos maiores gestos de honestidade porque é aqui que se mostram verdadeiramente violentos), não me importo se me sorriem quando faço um comentário inteligente ou se finger novamente não ter ouvindo quando falo uma asneira em favor da minha reputação, não, não me importo. Isso tudo não me diz absolutamente nada. Verdade é que a maioria de vocês jamais será capaz de justificar nada que disse, foi ou pensou porque a maioria não existe; saber-se-á até que alguns a quem simpatizo sejam pura criações minhas. A todos vós o meu desprezo. E é porque desprezo a todos e me reconheço como não metade, mas coisa inteira e sei que não nasci pra ser dividido, sei que sou o sacrifício, eu bem lhes afirmo que sua companhia não me interessa.  Adeus.

Esta feita, afixou bem a folha ainda branca com poucas manchas de tinta e os sentimentos que pelos outros ele não tinha. Sobre a parede também se viam os horários para cada funcionário ir almoçar e regressar. E foi-se embora, indo em direção à  floricultura. Nunca mais voltou  àquela repartição.

sexta-feira, 4 de junho de 2010

Poética

Havia uma pedra no caminho
e eu fiz da pedra o meu caminho

quarta-feira, 2 de junho de 2010

A noite fria das baleias

para S.

Sei dos dias claros, do sol plácido nos idos de maio
Dos rios e da água gelados à beira de junho
Das cores mornas da madrugada fria
Dos vermelhos graves das rosa na estante
Mas nada disso fala mais a tudo que sou
Nada disso significa mais a tudo que construo
Que o brilho doce e o cheiro cândido
Da tua companheira pele avelã
Na matiz própria de cada manhã
Que renasço a teu lado


Sei que me dizes ao envolver os teus pés aos meus já frios
E ao estender tua mão eu meu rosto grave
E tudo isso não me completa, me justifica
Sozinho sou completo, mas contigo sou inteiro.
Despido da própria natureza do corpo
Da fala que esconde e revela
Ou do discurso que envolve e penetra
Eu me refaço, reinvento
Em ti me ponho e alimento
O meu verdadeiro ser poeta

A Vida que não quis¹

À estrada outonal o caminho divergira
E estando lá a um único seguiria.
Detive a mim, calado, imóvel observava.
A um declive o cursor curvara
E na bruma fria a si ocultara

Viável, também longo que era,
Segui firme ao que restara
E verdes, mofos e marrons marcara
Como riquezas mais àquela estrada
Mesmo somando nada à vista acostumada

À brisa fria a manhã rasgava
Levando ao chão folhas de cor amarga
Talvez ao primeiro também, a foice cava
E sendo cada um outros tantos mais
Certeza tive de não ser eu ou ele o mesmo jamais

Retive o canto ao suspiro parco
Ao tempo exato e à jornada necessária
Ao que imóvel na estrada segregada
Rumei além daquela menos recrutada.
Fiz-me diferente pela escolha escarpada.

______________
¹ Tradução/versão do poema "The Roads Not Taken", de Robert Frost (poeta norte-americano). Texto Original aqui.
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