domingo, 2 de outubro de 2016

diário

[inscrevo em cada lembrança-experiência um cheiro de domingo, de tarde de sábado, ou de café matinal. deixo assim espraiado pelo corpo dos dias os vestígios de tantos doces e salgados, amargos e salobros que são juntos algo como um esboço de vida. talvez a própria vida.  notivago e incerto tomo nota de cada órgão, sussurro todo o toque. no contorno e nos desencontros de cada balanço cabisbaixo ou recusa altiva é meu pulso o diário ponteiro de um relógio feito não de números, mas de silêncios e segredos. meu corpo-palavra é página sempre em desmonte. quisera e ser falante e leitor desses alfabetos que tanto transcrevo e vivo e tão pouco entendo. queria ter o ouvido ou a astúcia de falar a língua dos gatos, dos becos, das noites, a língua da gota que persistente cai e desenha rios oceanos mares esgotos e lágrimas sem fim. quisera eu ter uma língua mais apta a escrever nessas páginas amontoadas uma palavra-casa e nela morar, viver, ali onde pudesse junto a uma palavra-raiz me instalar e romper. mas se acredito na palavra-vida, talvez ainda volte, talvez ainda venha a ser tão grande como um ramo de alecrim a marcar um livro]

(02.10.2016)

sexta-feira, 30 de setembro de 2016

cartografia

Muito cuidado
meu corpo é mapa
machucado e ferido,
tecido em linho fino
e de trança já rasgada.
nele as bolhas do passado
reúnem tanto do riso
quanto da lágrima.


meu corpo é fluxo
caudaloso
tenra torrente
encontro e escarpa.
Muito cuidado
ele sangra e canta
é trilha repleta de visagem.
Muito cuidado.

(Brasília, 30.09.2016)
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