quinta-feira, 15 de janeiro de 2009

O Peixe Voador



Subitamente o homem ergueu-se da cama. O sonho não fora dos melhores: pesadelos. Sempre o incomodavam, atrapalhavam o sono. Levantou-se, abriu os olhos e observou o relógio: duas horas e quarenta e três minutos, acusava. Acendeu a luz e foi ao banheiro. Lavou o rosto, dirigiu-se para a cozinha.
As paredes pálidas escondiam um armário. As cadeiras posicionavam-se geometricamente alinhadas à mesa. Simetria, pensou. No chão, uma embalagem de farinha. Estava sonolento, mas via perfeitamente bem. As janelas, pequenas, hermeticamente fechadas; O fogão já resfriado, e o zunir silencioso, mas presente, da geladeira. Pegou o copo no armário enquanto tentava ver para além da janela. Doze andares... Calculou na cabeça: trinta e seis metros de altura, trinta e nove, quarenta, se considerar a portaria e o térreo. Encheu o copo com água, olhou os restos na geladeira; feijão, salada de legumes, água, ovos. Recolheu a maçã escondida atrás da salada. Um carro passa fremente e rápido, embaixo, na avenida.
- Adolescentes...
Jogou a maçã no lixeiro, junto com a embalagem de farinha. Recolheu-se de volta à cama. Deitou-se, e ligeiramente coberto com os lençóis quentes tentou dormir; tentativa vã. Pegou o telefone. Menu: Chamadas: Chamadas Recebidas. Não havia recebido ligações... Menu: Contatos. Dedilhou a lista de contatos, mas ninguém com quem pudesse aliviar a insônia. Desistiu abandonando o aparelho sobre o criado mudo, junto à imagem de Miguel Arcanjo. Ligou a televisão.
-Nada que me valha à pena.
Dobrou os lençóis; guardou-os no armário de vestir. Sapatos desalinhados. Organizou-os. Senta. Não suporta o peso de si mesmo. Levanta. Dirige-se à janela.
- Quarenta e dois metros, se considerarmos a portaria e o térreo. É, é isso: quarenta e dois metros; treze andares, algo em torno de quarenta e dois metros, se considerar a portaria e o térreo. Talvez mais alguns centímetros... Não, quarenta e dois mesmo! Ou quarenta e três? Já não sei mais. É apenas o tempo de cair. Isso, isso sim: o tempo.
Desistiu de pensar. Só atenuaria o peso da gravidade. Olhou para trás, sobre a mesa todos o fitavam: a mãe, a sobrinha, os irmãos. Fotos simetricamente alinhadas, da maior para a menor, coloridas no final, a preto e branco do seu pai falecido no nível superior da bancada.
A lágrima caiu dos seus olhos. Voltou ao quarto e recolheu, sério, a maleta de trabalho. Verificou-a;
-Penso que devo ter esquecido algo importante.
Acendeu a luz da sala de estar e, sobre a mesa, esvaziou a maleta, a fim de conferir a presença indispensável dos itens.
- Agenda?
- Aqui.
- Orçamentos?
- Ok.
- Contratos?
-Ok.
- Notas fiscais:
- Ok.
- Canetas...
- Aqui!
- O carimbo!...
Abriu a gaveta, pegou o carimbo e recolheu. Viu junto o bloco de notas fiscais, a serem preenchidas, recolheu e colocou na pasta, junto ao carimbo, agenda e demais papéis importantes ao ofício do dia seguinte. Fechou-a. Abriu novamente e corrigiu a organização dos itens. “É, é isso. Tudo pronto”, disse para se; enrubesceu ao reparar que durante o longo monólogo-diálogo que travara não havia ninguém que não ele mesmo a ouvir. Parou no tempo e reparou nas coisas. A parede parecia prestes a ser caverna para aranhas. Mas pensou que não havia tempo para essas coisas. Abriu a pasta novamente, pegou a caneta e escreveu no bloco de notas: “pedir à Francisca para tirar as teias de aranha da sala”. Guardou a caneta, voltando à cozinha desistiu de outro copo de água e optou pelo café: companheiro das noites de insônia. Reparou no lixeiro entreaberto e assegurou que estivesse fechado.
- Logo será dia.
Olhou o relógio e convenceu-se de sua mentira: três e dez da madrugada. Apesar disso, preferiu a anestesia da mentira a assumir a verdade: era tarde, apesar de cedo, e estava sozinho.
É, a casa é versátil... Agüenta dez e agüenta um de igual forma.
Lembrou do livro. Virou-se frente à porta, foi ao quarto. Procurou com desespero falso o livro que soubera perfeitamente onde estava. Depois de analisar todo o quarto, assumiu a consciência e abriu a gaveta do criado mudo. Puxou o livro e dirigiu-se para o assento.
“Mas me faltava prática. Havia mais de trinta anos que eu apenas amava a mim mesmo. Como perder um hábito desses? Absolutamente não perdi e permaneci um espectador da paixão.”
Leu a nada entendeu. Voltou à capa e verificou a gravura. O homem de olhos distantes, com o cigarro a termo nos lábios, o cachecol à altura das orelhas e o cabelo penteado para trás, como ele adotara. Leu: A Queda. Virou a contracapa. Novamente: A Queda. Voltou ao romance: “Mas me faltava prática. Havia mais de trinta anos que eu apenas amava a mim mesmo. Como perder um hábito desses? Absolutamente não perdi e permaneci um espectador da paixão.” Novamente não entendeu. Tentativa frustrada.
Abandonou o livro sobre o assento, o marcador jogado a ermo. Voltou à varanda:
- Quarenta metros... Quarenta e dois talvez... ?
Lançou-se gravemente em direção ao solo.





Thiago Oliveira {HliodoroV
09.11.2008
12.05.5770
20hrs: 28 min

1 folhas:

Luciana Onofre disse...

Bem-vindo Thi ao Crianças Pagãs!

Postar um comentário

Related Posts with Thumbnails