segunda-feira, 7 de junho de 2010

aos que dizem que não vivo

Levantou tão  súbito enquanto arguiam e comentavam sobre os projetos selecionados para a pauta do dia. que ao fazê-lo foi pisoteado por olhares de estranhamento e recusa por parte de seus colegas. Seus olhos foscos e as mãos ardidas denunciavam além do vapor que lhe sobressaía: problemas, e muitos!

Ergueu-se tão alto ao levantar da cadeira e afastá-la para que seus oitenta e seis quilos pudessem sair dali que sua alma não aguentou e  foi-se além dos  um metro e oitenta e seis que possuía de geografia. Era um possível fim no meio do expediente,coisa que todo funcionário saberá bem dizer, é um absurdo. À entrada do conjunto de escritórios que ocupavam aqueles três andares já se havia há muito escrito que só se permitiria assassinatos e suicídios após o horário de expediente, e que caso essa regra fosse violada seria cortado o ponto do dia e seu valor correspondente no salário ao fim do mês. Não havia dúvida da gravidade de fugir das oito horas que era sua obrigação para matar-se ou a quem fosse. Um disparate pelo qual o chefe certamente o mataria se soubesse.  Sendo assim recou-se a viver em sociedade de negócios, projetos e reuniões, ao menos àquela reunião. O restante seria determinado por sua coragem e senso de sobrevivência, caso ele os encontrasse perdido nalguma das pastam com milhares de papéis que ele lia todo dia, mecanica e profissionalmente. Ao sinismo de dizer que não havia nada pra fazer, puxou para si as folhas de contratos e puxou a caneta do bolso:

Aos que já disseram que não tenho alma, que não tenho vida ou sentimentos, ao que já disseram, pensaram e comentaram da minha arrogância firme, da minha sutileza em ignorar se chove ou se há sol; a todos aqueles que um dia juraram pensar quem eu era pela imagem que construíram de mim em oito horas diárias, e quarenta semanais eu vos digo  que não me importo. Não me importo se esqueceram as chaves ou se o vizinho reclama das brigas (que na verdade são os vossos maiores gestos de honestidade porque é aqui que se mostram verdadeiramente violentos), não me importo se me sorriem quando faço um comentário inteligente ou se finger novamente não ter ouvindo quando falo uma asneira em favor da minha reputação, não, não me importo. Isso tudo não me diz absolutamente nada. Verdade é que a maioria de vocês jamais será capaz de justificar nada que disse, foi ou pensou porque a maioria não existe; saber-se-á até que alguns a quem simpatizo sejam pura criações minhas. A todos vós o meu desprezo. E é porque desprezo a todos e me reconheço como não metade, mas coisa inteira e sei que não nasci pra ser dividido, sei que sou o sacrifício, eu bem lhes afirmo que sua companhia não me interessa.  Adeus.

Esta feita, afixou bem a folha ainda branca com poucas manchas de tinta e os sentimentos que pelos outros ele não tinha. Sobre a parede também se viam os horários para cada funcionário ir almoçar e regressar. E foi-se embora, indo em direção à  floricultura. Nunca mais voltou  àquela repartição.

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